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  • Foto do escritorEdgar Andrade

O que podemos aprender com Bill Gates?



O cara já tinha chamado minha atenção quando assisti à série Inside “Bill's Brain: Decoding Bill Gates”, no Netflix. Doar grana para projetos sociais é um movimento bacana, mas investir tempo e esforço para resolver problemas relevantes me parece tão importante quanto a grana investida. E a Fundação Bill e Melinda Gates vem fazendo muito, muito mesmo, nesse sentido. Tem um lance bacana que é trazer a mesma lógica da escala mundial dos softwares para a resolução dos problemas do mundo. Como a questão do saneamento básico, que é uma das prioridades da fundação.


No momento em que estamos vivendo não basta reconhecer que a desigualdade cresceu absurdamente nos últimos anos e que temos muitos privilégios. Se não entendermos que é preciso incluir segmentos da sociedade historicamente esquecidos na construção do futuro, as desigualdades geradas pela transformação digital serão ainda mais avassaladoras. É preciso ir além da fala e botar a mão na massa para fazer as coisas de um jeito diferente e ajudar a construir um mundo melhor para todas as pessoas. Acredito que essa ficha também caiu para Bill Gates e Melinda, que estão focando em problemas globais relevantes - saúde, educação e mudanças climáticas - mas entendem que o mundo só vai mudar de verdade quando percebermos que é fundamental criar novas dinâmicas de distribuição de renda. Em seu mais recente texto, "What I’m thinking about this New Year’s Eve', escrito agora na virada do ano, ele aborda a necessidade de se rever o sistema tributário americano (não perderei caracteres comentando sobre minhas expectativas em relação à possível reforma tributária brasileira nos próximos anos) e comenta sobre seu esforço dos últimos 20 anos, junto com seu pai, na promoção desse debate que gira em torno do fato do estado taxar o trabalho e não o ganho de capital.


Numa grande empresa, a grana que CEOs recebem como pró-labore normalmente não chega nem perto do que recebem com a distribuição dos lucros. Enquanto isso, um trabalhador é taxado sobre toda a grana que recebe, daí vem a distorção. Por isso, o debate sobre a taxação das fortunas é tão importante. E mesmo quando falamos da taxação do consumo, que também penaliza os mais pobres, encontramos absurdos como a isenção de IPVA para quem compra um helicóptero, jatinho ou iate. Ou seja, quem tem mais grana recebe mais incentivos, isenções, acesso a crédito mais barato. O sistema foi construído para alimentar o topo da pirâmide e reduzir as chances de mobilidade social. Esse sistema precisa ser combatido, mas entendo que a iniciativa jamais partirá dos políticos que se alimentam, em boa medida, desse sistema. Deve partir do entendimento de que o modelo atual é insustentável no médio e talvez no curto prazo. A diferença de riqueza entre quem ganha mais e quem ganha menos vem aumentando absurdamente nas últimas décadas e a tendência é que o planeta em algum momento entre em colapso. Apenas 26 pessoas detêm a mesma riqueza que 3.8 bilhões de pessoas (Oxfam, 2019). É lógico que esse modelo de sociedade está equivocado, só é preciso um pouco de bom senso para perceber. Bill Gates percebeu e não só está contribuindo para transformar essa realidade como vem tentando convencer outros bilionários, como Warren Buffet, a fazer o mesmo.


Quero aprender muito com essa galera para tentar convencer os ricos daqui a investirem um pouco do seu dinheiro – e, se possível, inteligência e tempo – para transformar comunidades. Não é preciso tentar mudar o mundo, mas se for possível mudar o entorno da sua empresa já seria lindo. É inaceitável que no território do Porto Digital - um dos principais parques tecnológicos do Brasil - onde estão hoje mais de 200 empresas que juntas faturam cerca de 2 bilhões, exista uma comunidade como a do Pilar, com o segundo pior IDH da Cidade do Recife. Já estão rolando algumas conversas bacanas para inicialmente, zerar o desemprego dessa comunidade, o que seria fantástico para começar. Precisamos assumir esse esforço como prioridade.


Acredito de verdade que é possível construir um modelo de parceria público-privada para ações públicas em que as empresas possam assumir responsabilidades além dos impostos e que impactem diretamente as comunidades em que estão inseridas. No texto, Gates comenta sobre a importância de se investir em fundações privadas, pois elas desempenham um papel insubstituível pelo Estado e que se baseia na capacidade de inovar e correr riscos. A Fundação Bill e Melinda Gates pode arriscar recursos em soluções inovadoras para a erradicação da malária, ou para criar um vaso sanitário que elimina dejetos sem a necessidade de água. Se não der certo, tudo bem, é só continuar investindo até acertar. O poder público não pode correr esses riscos porque o insucesso, fundamental para a inovação, não é permitido e automaticamente transforma o gestor público num péssimo gestor.


Descobri em 2017 que esse movimento de investimentos em projetos inovadores de impacto social estava acontecendo quando conheci Leonardo Yánes, da Fundação Bernard van Lee (BvLF). Ele ficou super empolgado com o que estávamos fazendo no Recife, mas lançou o desafio da escalabilidade: como levar a experiência de formação do Fab Lab Recife para todos os estudantes da capital? E me mostrou estudos de Harvard sobre isso. Fiquei impressionado: o material se conectava com o que estávamos escrevendo por aqui, também focado na construção da autonomia. Nosso modelo de negócio é baseado numa escala de inovação colaborativa. Primeiro é preciso engajar pessoas, inspirá-las para mudar um determinado comportamento ou fazer algo de um jeito diferente. Depois é fundamental empoderar essas pessoas para que se sintam capazes de realmente fazer algo de um jeito diferente. Do engajamento e empoderamento surge a autonomia, o entendimento de que não é preciso depender apenas de governos, de instituições filantrópicas, do Fab Lab Recife, para fazer o que quiser. Porque é possível fazer. Essa inspiração vem de Harvard, mas essencialmente de Paulo Freire, um dos pensadores mais notáveis da pedagogia mundial, brasileiro mais homenageado da história, e que traz em seus conceitos a base da construção da educação do futuro.


Além das fundações mencionadas por Gates estão surgindo cada vez mais negócios que se encaixam no emergente setor 2.5, de negócios privados com fins lucrativos e de impacto socioambiental. Empresas como a nossa, que acreditam ser possível ganhar dinheiro e contribuir para a construção de um mundo melhor, exercitando essa PPP diferente, em que o Estado formula as políticas e a iniciativa privada ajuda a implementar.


Bill e Melinda acreditam que impulsionar o progresso é o principal objetivo da riqueza, que junto com ela vem a obrigação de retribuir à sociedade. Se eu tivesse a oportunidade de conversar com eles, pediria que não parassem de rodar o mundo inspirando outras pessoas e empresas a fazerem parte desse movimento. Precisamos convencer mais gente a seguir esse caminho que pode ser determinante para o futuro do nosso planeta.


Estamos iniciando uma nova década que marcará a transformação mais radical da história da humanidade. Quando reescrever esse texto em 2030, o mundo será completamente diferente do que é hoje. Tudo o que fazemos, a forma como consumimos, aprendemos, interagimos, TUDO será radicalmente novo. Já estamos atrasados do ponto vista ambiental e social, mas sou otimista por natureza e acredito de verdade que seremos capazes de redesenhar o mundo a partir da nossa comunidade, do nosso bairro. Só precisamos nos juntar mais, pois juntos somos mais fortes. Bora Moer?

Leia o artigo de Bill Gates:

https://www.gatesnotes.com/About-Bill-Gates/Year-in-Review-2019

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